Poeta Tardio
Há que se habitar nesta mata, onde as árvores crescidas pareciam atrofiadas.
E conviver com aguçados sentidos, fantasmas descabidos, numa insônia diária.
Plenitude devassa, cor da estrada, mesmo que ela fosse a colorir.
E, descoberto o poço, onde não cabias mergulhado,
Descortinar no lado, no fado,
O horizonte cravado da poesia tardia.
Melhor ou sem melhor,
O fremir da carne de quem sente: o inevitável é mais forte que o nunca.
Poema do Instante
O que ficou daquele amor,
Que meu corpo queimou num mar de chamas?
O que pra mim mudou, naquele mês que estive contigo na cama?
Só sei que outra vez estou, caminhando sozinho,
Esperando o espinho, de outra flor.
E na aldeia virgem que é meu coração, mais vale um violão que uma teia.
Pois é nas cordas deste irmão de verniz, que curo feliz,
Um amor mal amado.
O Escultor de Mármore
Anda mulher, vê se fala. Mostra um pouco de teu mundo.
De ti, só conheço a imagem, embora trafegues nos meus sonhos.
No início eras rude pedra.
Mas eu tornei-te bela, moldando-te com sentimentos, ferro e carne,
Talhando com o escopo o gérmen de teu corpo.
No teu embrião sou criador
Enquanto idealizo ganhares vida,
Tomo tua sombra como teu interior.
Pois é o que emana de ti e não é pedra.
Mas nunca vi sentimentos tão esguios!
Já que são intocáveis mesmo ao sol,
E desaparecem quando a noite chega.
Tu não és uma mulher e sim uma soma,
Tampouco és a que imaginei ao começo:
És um acidente de um golpe mal dado,
Com o traço de mulheres que eu sonho.
Termino aqui neste teu busto,
Pois não mais posso esperar por teu corpo.
Devo acabar de vez este tormento,
De concretizar uma mulher no mármore frio.
Onde Está Aquele Porto?
Onde está aquele porto
Aonde meu navio roto
Fugia para atracar?
Onde está aquela ilha,
Que o vento forte não magoa
Onde está aquela ilha boa
Que reservei para morar?
Não há mais, porto, navio,
Meus sonhos estão no alto
As chamas, as velas e mastros,
Navegam num mar revolto
Marujo de mar sem estrada
Balão sem leme nem lastro
Do amor levastes pinçada
Te perdes e começas de novo.
Quem é Essa Agora?
Quem é você?
Não me cansa perguntar
Fosse a Jack, me servia um chá.
Se a Júlia, roscas e café.
Maria seria meu ninar.
E se Fabíola seu ruminar
Quem é você que não é nenhuma outra?
Que com a saia parecia igual
Que sem a calça mostra ser a tal
Agora sei o que é mulher fatal!
Tempos modernos
Mais vale a pena, caminhar nas ruas,
Contar ao menos com um simples acaso,
Que ficar preso nestas regras tolas,
Que todo dia sobre ti desabam.
Como avalancha impedindo andar,
Tal um incêndio devorando vivo,
Ou uma chuva que tua rua alaga.
Es simples peça da imensa engrenagem,
Tempos modernos, o infeliz desastre.
Es faca cega que só corta dedo,
O abstrato do concreto armado.
Sabendo disto caminhamos amorfos,
Sendo empurrados, derrubando os fracos,
Que não tiveram a chance de vencer.
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